Publicado por Redação em Mercado - 30/04/2025 às 07:54:24
Pejotização custou ao menos R$ 89 bilhões e ameaça Previdência, diz estudo
A contratação de trabalhadores como pessoa jurídica já custou ao menos R$ 89 bilhões aos cofres públicos desde a reforma trabalhista e é um risco para a Previdência Social, diz um estudo sobre o tema realizado por pesquisadores da FGV. Isso ocorre porque esse tipo de contrato recolhe menos impostos do que o contrato CLT. O STF (Superior Tribunal Federal) vai decidir sobre o tema.
Custo bilionário
Número de trabalhadores por conta própria cresceu até 90%. De final de 2017, quando foi aprovada a reforma trabalhista, até 2023, o número de trabalhadores por conta própria classificados como MEIs (com renda de até R$ 6.750 por mês) aumentou 24%. Já o número de trabalhadores classificados como empresas do Simples Nacional (renda de mais de R$ 6.750 até R$ 400 mil mensais) teve crescimento de 90%.
Dado está na nota técnica sobre os impactos da pejotização na arrecadação tributária. O levantamento foi elaborado por Nelson Marconi, coordenador do curso de graduação em administração pública da FGV, e Marco Capraro Brancher, consultor da FGV, a pedido da seccional paulista da OAB, e publicado em junho de 2024.
Pejotização custou entre R$ 89 bilhões e R$ 144 bilhões aos cofres públicos nos últimos anos. Os pesquisadores fizeram a conta de quanto os trabalhadores contratados como pessoa jurídica após a reforma trabalhista gerariam de arrecadação a mais, caso tivessem sido contratados como CLT. A conclusão foi que o governo deixou de arrecadar entre R$ 89 bilhões e R$ 144 bilhões entre 2018 e 2023.
Como PJ, cada um desses trabalhadores gerou em média R$ 4 mil em imposto em 2023. O valor considera Imposto de Renda mais os impostos pagos como MEI ou empresa do Simples Nacional. Se fossem contratados como CLT, os impostos pagos ficariam entre R$ 21 mil e R$ 33 mil em 2023, a depender do tipo de empresa contratante.
Do ponto de vista social, os trabalhadores têm perdas em termos de direitos, como férias, décimo terceiro e aviso prévio. Para o lado da empresa, isso flexibiliza o mercado de trabalho e diminui encargos. Mas, do ponto de vista econômico, tem um impacto muito forte na arrecadação. Diminui o dinheiro para financiar políticas públicas.
Nelson Marconi, coordenador do curso de graduação em administração pública da FGV.
Perda arrecadatória tem impacto na Previdência e no déficit público, dizem os pesquisadores. O levantamento pondera ainda que os gastos públicos também são afetados, uma vez que quem é MEI tem direito a se aposentar com um salário mínimo e acesso à Previdência Social. "São pessoas que terão menos acesso a plano de saúde e vão recorrer ao sistema público. Não terão aposentadoria e vão demandar do governo alguma proteção social", diz Marconi.Caso a pejotização seja ampliada, impacto será muito maior. Os pesquisadores também calcularam qual seria o impacto da pejotização, caso mais trabalhadores fossem contratados como PJ. A simulação leva em consideração a tendência do STF de reconhecer esse tipo de contrato. Se metade dos trabalhadores CLT em 2023 se tornassem trabalhadores por conta própria, a perda de arrecadação chegaria a mais de R$ 384 bilhões em apenas um ano, diz o estudo.
Cenário é extremo, mas possível, diz pesquisador. "Calculamos para ter uma simulação. Mas acredito que é possível. Se o STF aprovar a terceirização dessa forma, vai gerar uma escalada de contratações no regime PJ. Mesmo que seja metade disso, 25% da força de trabalho, já seria uma queda brutal na arrecadação", diz Marconi.
Estudo considerou apenas trabalhadores por conta própria formais. Os cálculos do estudo consideram apenas os trabalhadores que possuem CNPJ, e exclui os demais empregados formais e informais. Também foram desconsiderados os trabalhadores que não poderiam ser enquadrados no Simples Nacional ou como MEIs, devido ao patamar de rendimentos ou à atividade exercida. "O grupo restante é aquele que, supostamente, poderia estar trabalhando como empregado com carteira assinada e foi "pejotizado"", dizem os pesquisadores.
É terceirização ou pejotização?
Após a reforma trabalhista, as reclamações sobre pejotização inundaram o STF. "Muitas empresas foram ao STF reclamar de decisões da Justiça do Trabalho em situações como a da pejotização. O direito do trabalho se tornou o assunto principal das reclamações constitucionais no STF", diz Olivia Pasqualeto, professora de Direito da FGV, que também estuda o tema e cuja pesquisa é citada no estudo sobre arrecadação.
Supremo tem validado contratações como PJ. Em um estudo de 2023, Pasqualeto e outras duas pesquisadoras analisaram as reclamações sobre o tema no STF. A conclusão foi que o Supremo tem decidido de forma favorável às contratações como PJ, mesmo nos casos em que a Justiça do Trabalho entendeu que havia uma relação de trabalho disfarçada.
Uma das críticas às decisões do STF é que a terceirização, que foi liberada com a reforma trabalhista, é diferente da pejotização. "A terceirização envolve três partes. Quem trabalha em uma empresa terceirizada continua tendo um vínculo de emprego. A pejotização envolve apenas duas pontas. E o PJ não tem vínculo de emprego e nenhum dos direitos trabalhistas convencionais", diz a professora.
Requisitos para contratação CLT ficam nebulosos, diz pesquisadora. Ao analisar os casos de pejotização, a Justiça do Trabalho verifica se existem requisitos como a subordinação e a pessoalidade (quando a função não pode ser transferida para outra pessoa). Quando os elementos previstos estão presentes, a contratação deve ser via CLT, diz Pasqualeto.
São requisitos que continuam valendo mesmo após a reforma trabalhista. Quando o STF diz que qualquer relação vai ser lícita, ficamos sem saber qual elemento vai diferenciar uma coisa da outra. Fica nebuloso saber o que deve ser regido pela CLT.
Olivia Pasqualeto, professora de Direito da FGV
Ações suspensas
O ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu todos os processos sobre o tema. A decisão, de 14 de abril, afeta todas ações que discutem a legalidade da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para prestação de serviços. A suspensão vale até o julgamento definitivo do tema, que será analisado com repercussão geral - ou seja, o resultado deverá ser seguido por todos os tribunais que julgarem a mesma questão.
Suspensão afeta milhares de ações em tramitação e expõe um embate entre o STF e a Justiça trabalhista. A Justiça do Trabalho tinha quase 460 mil ações sobre reconhecimento de relação trabalhista em 2024. Dentre os pontos a serem decididos pelo Supremo está a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos desse tipo.