Publicado por Redação em Mercado - 03/09/2025 às 07:21:54

Consulta a crédito e antecedentes

Recentemente, a Primeira Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou uma empresa de São Paulo a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil por realizar pesquisa de antecedentes criminais e de restrição de crédito antes de contratar seus funcionários. Os ministros entenderam que a prática é discriminatória e viola entendimento consolidado da Corte. No processo, a companhia alegou não discriminar empregados, já que mantinha em seus quadros trabalhadores contratados mesmo em situação de endividamento.

Esse cenário revela uma atualização no posicionamento jurisprudencial do TST. Em 2012, ao julgar o Recurso de Revista RR-38100-27.2003.5.20.0005, a 2ª Turma, em decisão relatada pelo Ministro Renato de Lacerda Paiva, entendeu que, sendo os cadastros públicos e de acesso irrestrito à coletividade, não haveria violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.

A exigência de que empregados, ou mesmo candidatos a uma vaga, sejam submetidos previamente a consultas em cadastros de inadimplentes como SPC e Serasa costuma ser justificada sob a ótica empresarial como forma de “gestão de risco” ou medida de compliance. No entanto, no âmbito do Direito do Trabalho brasileiro, essa prática afronta direitos fundamentais da personalidade, o princípio da dignidade da pessoa humana e a disciplina da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Embora o poder diretivo assegure ao empregador organizar a atividade produtiva e fiscalizar a execução do trabalho, ele encontra limites nos direitos constitucionais do trabalhador (CF, art. 1º, III, e art. 5º, X), bem como na proteção da personalidade prevista nos artigos 11 a 21 do Código Civil. Dessa interpretação resulta que a utilização de cadastros restritivos de crédito como critério de contratação caracteriza discriminação indireta de cunho econômico, violando a vida privada do trabalhador.

A LGPD (Lei nº 13.709/2018) incorporou princípios já reconhecidos no âmbito dos direitos da personalidade, como a tutela da privacidade, a autodeterminação informativa e o livre desenvolvimento da personalidade (art. 2º). Ainda que as informações sobre restrição de crédito se enquadrem como dados pessoais, sua utilização exige base legal adequada e respeito aos princípios da finalidade, adequação e necessidade. Na sociedade de consumo, a rotulagem como inadimplente constitui verdadeiro estigma social, capaz de afetar a honra objetiva e a imagem profissional do indivíduo, criando barreiras econômicas e laborais.

A gestão de riscos patrimoniais da empresa deve concentrar-se em processos internos, e não na esfera privada dos empregados. Com base nisso, o TST entende que a consulta a órgãos restritivos de crédito, como SPC e Serasa, é discriminatória quando realizada de forma indistinta e genérica, configurando prática que enseja danos morais coletivos.

Da mesma forma, no tocante às consultas a antecedentes criminais, o TST já firmou jurisprudência em Incidente de Recurso Repetitivo. O Tema Repetitivo nº 1, julgado no IRR-243000-58.2013.5.13.0023, fixou as seguintes teses:
1ª) Não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de certidão de antecedentes criminais quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar por previsão em lei, pela natureza do ofício ou pelo grau especial de fidúcia exigido.
2ª) A exigência é legítima e não caracteriza lesão moral quando amparada em previsão legal ou justificada pela natureza da atividade ou pelo grau especial de fidúcia.
3ª) A exigência, quando ausente qualquer das justificativas, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente da contratação.

Assim, observa-se que ambos os temas partem de um mesmo pressuposto: a proteção aos direitos de personalidade do empregado. Como defendem Fábio Siebeneichler de Andrade e Eugênio Facchini Neto, deve-se reconhecer que a cláusula geral de direitos da personalidade no Código Civil resguarda melhor o princípio da dignidade humana em situações relevantes. Para os autores, “dada a variedade de tipos de lesões aos direitos da personalidade, é necessária a proteção ampla dos indivíduos, por meio de uma espécie de direito-quadro (Rahmenrecht), de caráter aberto, que permita abarcar hipóteses não previamente reguladas em tipos legais específicos”.

Conclui-se, portanto, que a prática de consulta a bancos de dados como SPC e Serasa em relação a candidatos ou empregados, quando feita de forma indiscriminada, é ilícita e discriminatória. Ela viola direitos da personalidade — como honra, imagem e vida privada —, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e desrespeita os critérios de finalidade, adequação e necessidade da LGPD.

O poder diretivo do empregador não autoriza a intromissão indevida na esfera econômico-financeira do trabalhador. À luz da Constituição Federal, da LGPD e da jurisprudência recente do TST, o caminho legítimo para empresas é adotar processos de recrutamento e gestão baseados em critérios técnicos objetivos e na proteção de dados pessoais, reservando a análise de crédito ao âmbito estritamente privado e cidadão do trabalhador, sem ingerência patronal.

Fonte: Mundo RH


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